Sobre o processo de demitir
Demitir é um processo delicado que exige equilíbrio e maturidade, tanto de quem demite quanto de quem é demitido. Em geral, essas duas virtudes nunca estão presentes quando mais se precisa delas.
Por essas e outras razões, algumas demissões tendem a ser verdadeiros desastres capazes de destruir a autoestima das pessoas em vez de projetá-las para um futuro melhor.
Há pouco mais de vinte anos eu vivi o período mais difícil da minha vida profissional quando, por determinação da matriz da empresa, recebi a infeliz notícia de que as atividades da minha área seriam transferidas para outra unidade em outro Estado.
Na prática, todos deveriam ser demitidos, exceto aqueles que concordassem em ser transferidos para o novo local, sem aumento ou qualquer benefício adicional.
Em menos de três meses fui obrigado a demitir quase todos os membros da equipe, a qual eu havia dado um duro danado para formar e consolidar. Éramos quase uma “família” que se desmantelou da noite para o dia. Nem a minha própria demissão, quatro anos depois, me custou tanto, emocionalmente.
Demitir é um sempre um desafio, afinal, não conheço ninguém que tenha sido treinado para isso, exceto o George Clooney em Amor sem Escalas. O fato é que, em cargos de liderança, não há como escapar dessa difícil tarefa, cuja responsabilidade não deve ser transferida.
No papel de líder, você é e sempre será o único responsável pelos profissionais que a compõem a equipe, do início ao fim do ciclo. Nunca transfira essa responsabilidade, afinal, se você teve a felicidade de admiti-los, deve ter a coragem de demiti-los.
Contudo, não é um bicho-de-sete-cabeças desde que você tenha agido como líder durante o tempo em que conviveram e juntos e tem certeza de que fez tudo o que podia para desenvolvê-los.
Dessa forma, compartilho aqui algumas lições que me foram extremamente úteis nesse sentido e espero que também sejam para você quando precisar.
- Pare de enrolar: se a decisão está tomada, não tem essa de ficar esperando mais tempo para ver se a pessoa melhora; se já ouve um feedback positivo e realista e se você já concedeu uma, duas ou três oportunidades, no máximo, além de ter discutido internamente, esperar mais do que necessário significa prorrogar o sofrimento de ambos os lados.
- Assuma a responsabilidade: se você participou do processo de seleção, treinou o profissional, deu a ele oportunidades de melhoria e, mesmo assim, ele não conseguiu se desenvolver, nada de empurrar a missão para o RH; no papel de líder, você é o principal responsável pela demissão; se necessário, solicite a participação de um profissional de RH, mas não transfira a responsabilidade; isso vai ajudá-lo a fortalecer o espírito de liderança.
- Ajuste os preparativos: reúna os dados, alinhe com o RH, defina os detalhes e ajuste o que for necessário: comissões, horas extras pendentes, extensão de benefícios, carta de demissão, coleta de material de apoio: política comercial, tabela de preços, notebook, veículo etc. –, além do bloqueio de acesso aos sistemas. Mantenha sigilo até o dia da demissão.
- Tudo tem sua hora e local: quando chegar a hora, que seja em local reservado e, preferencialmente, longe da equipe para evitar constrangimentos; quanto ao horário, depende do gestor, porém, eu recomendo demitir no fim do expediente, longe dos olhares do grupo.
- Trate bem as pessoas: por trás de todo profissional há o ser humano, portanto, seja gentil e transparente. Não tripudie, é um momento difícil para ambos, a menos que você seja desprovido de hormônios; qualquer reação diferente disso pode acirrar os ânimos e terminar em acusações, insultos e ação trabalhista.
- Evite justificar o injustificável: se você não quer ou acha que não pode dizer o motivo, seja simples e direto: a partir de hoje, você não faz mais parte do quadro de colaboradores da empresa, portanto, agradeço muito pelo trabalho realizado até agora e lhe desejo boa sorte na sua próxima caminhada.
- Prepare-se para o inesperado: se ouvir algo que não lhe agrada, mantenha-se frio feito gelo e flexível feito bambu, administre suas emoções e esteja disposto a ouvir, mas não revide, afinal, se a decisão está tomada, o que você disser e ouvir não deve alterar o resultado.
- Evite desculpas e promessas: não há do que se desculpar nem o que prometer, afinal, se você errou, vai aprender com o erro e fazer diferente da próxima vez. Prometer alguma coisa só é possível quando você tem poder decisão ou quando a política da empresa permite, portanto, não tente corrigir o problema com coisas que não pode cumprir.
- Muita calma nessa hora: num momento difícil como esse, dois ouvidos são mais importantes do que uma boca; mantenha a calma para que a dor e a raiva sejam diluídas com um pouco mais de tempo; na medida em que a pessoa desabafa, tende a refletir e absorver melhor a situação. Aqui, a empatia se faz necessário o tempo todo.
- Seja líder e Coach ao mesmo tempo: se houver clima para isso, seja o mais líder que puder e forneça um último feedback: onde foi que ele errou e o que ele pode fazer para melhorar a própria capacidade profissional a partir dessa experiência negativa.
- Alinhe a equipe: não deixe que a equipe conspire no corredor e seja o primeiro a comunicar o fato sem tripudiar sobre o demitido; se a pessoa era líder da equipe, aproveite para realinhar suas expectativas em relação ao que se espera dos membros remanescentes a partir do ocorrido.
- Promova a autorreflexão: toda demissão é uma experiência dolorosa que deve servir a um propósito maior: o seu próprio crescimento como gestor, como líder e, acima de tudo, como ser humano. As respostas para essas duas perguntas vão ajudá-lo a melhorar as próximas escolhas: 1) onde foi que eu errei? 2) o que devo fazer para errar menos da próxima vez?
Há pouco tempo eu fui realizar um treinamento para um grupo de líderes de uma grande empresa na Região Metropolitana de Curitiba e, para minha surpresa, havia uma profissional demitida por mim naquela difícil missão de vinte anos atrás. Ao relembramos o episódio, ela simplesmente declarou: – você foi tão educado e gentil na época que eu fui pra casa com uma sensação de alívio.
Juro que eu até me emocionei, afinal, eu já demiti mais de cinquenta pessoas na vida antes de chegar a minha vez de ser demitido. A demissão faz parte do jogo, portanto, aprenda a jogá-lo com elegância.
Por fim, como eu sempre digo, você pode ser chefe, supervisor, gerente, diretor ou até mesmo o dono da empresa, mas isso não lhe dá o direito de ser cruel. Por mais profissional que alguém possa parecer, as pessoas ainda são, acima de tudo, seres humanos.
Pense nisso, reflita, faz parte do jogo, mas é um jogo que precisa ser aprendido para tornar a derrota alheia menos amarga.
Quer saber mais? Leia o artigo O que fazer quando a demissão chegar
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