O sentido do trabalho nos tempos mais remotos
Desde os tempos mais remotos, o trabalho teve o caráter de castigo. Na tradição católica, era tido como punição para os pecados. Por quase toda a história e pré-história, o trabalho era considerado uma indignidade. Por outro lado, os poderosos – reis, rainhas e imperadores – enalteciam o ócio que era considerado uma virtude, um prêmio, sinal de força e manifestação do prazer. Para os antigos, o trabalho infinito era a marca de um escravo.
De fato, quando o poderoso desejava fazer alguma coisa mais produtiva, em razão da indignação ou pressão popular, ele apelava para o nec otio, ou seja, ele negociava (negava o ócio), interrompia o ócio, mas não trabalhava, o que, na verdade, dava na mesma.
Hoje em dia, nada é mais estranho ao mundo ocidental voltado exclusivamente para o trabalho do que o ócio. Se conseguirmos descansar nos fins de semana, é apenas para recarregar as energias e voltar ao trabalho.
Entre os cristãos, apenas os protestantes, influenciados por Martinho Lutero, imaginaram sentido do trabalho como o caminho religioso para a salvação, portanto, era visto como virtude. Os gregos buscavam a salvação na filosofia, os indianos na meditação, os chineses na poesia e no amor à natureza. Algumas tribos africanas – como os pigmeus, por exemplo, hoje quase extintos – trabalham apenas para atender às necessidades do dia-a-dia e passam a maior parte da vida na absoluta ociosidade.
Nas palavras de John Gray, filósofo inglês, o progresso condena o ócio e o trabalho necessário para liberar a humanidade é vasto. Na verdade, o ser humano está condenado ao trabalho, eternamente, considerando que o progresso não tem fim e a tecnologia escraviza mais do que liberta.
Para que a vida tenha sentido é necessário imprimir sentido ao trabalho. Por que razão o ócio criativo, sugerido por Domenico De Masi, sociólogo italiano, nos incomoda tanto em vez de nos tornar mais produtivos?
Para a maioria dos seres humanos, o Mito de Sísifo ilustra bem a eterna condição do trabalho. Na mitologia grega, Sísifo foi condenado pelos deuses a realizar um trabalho inútil e sem sentido por toda a eternidade: deslocar uma grande pedra para o cimo de uma colina. Quando ele está quase alcançando o topo, é forçado de novo para baixo pelo peso da pedra que rola novamente para o ponto mais fundo de onde, com esforço descomunal, se recupera e recomeça a jornada. O trabalho de Sísifo não passa de uma punição.
Quando estamos trabalhando ou fazendo qualquer coisa útil, gozamos de aparente solidez. A ação nos consola e, de alguma maneira, o trabalho parece ser a única forma de reconhecimento na sociedade. Não há espaço para a ociosidade, o descanso, a paz de espírito e a fuga dos labores individuais por um período superior a vinte ou trinta dias por ano.
O mundo trabalha 24 horas por dia e o inferno de Sísifo reflete uma trágica condenação, principalmente para quem realiza trabalhos meramente servis, sem sentido, conflitantes com a sua vocação natural.
Para nós, ocidentais, nada é tão importante quanto viver a vida como escolhemos, entretanto, a maioria dos humanos não vive o ideal de vida escolhido, por razões perfeitamente explicáveis: não somos autores de nossas vidas.
Quase tudo o que é importante na vida é fruto do acaso: o tempo e o lugar em que nascemos, nossos pais, a língua que falamos, a hora de morrer. Pensando melhor, a vida humana, em geral, é a somatória de eventos acidentais e a autonomia pessoal não passa de um produto da nossa imaginação.
Assumir o controle da sua vida, fazer o que você gosta e imprimir sentido ao trabalho funciona bem melhor no papel. Labutar como Sísifo talvez seja o nosso único propósito, diferente de outros animais, que não precisam de um propósito na vida. Para viver um ideal de vida você precisa de autonomia, o que significa agir de acordo com as suas escolhas e isso, infelizmente, nem sempre é possível.
Como imprimir sentido ao trabalho
Por conta de tudo isso, será que podemos tornar o nosso trabalho mais prazeroso? Depende muito da natureza, da cultura e da experiência de vida de cada ser humano.
Talvez você imagine que boa vida e trabalho ideal signifiquem fazer uso pleno da ciência e da tecnologia e ganhar muito dinheiro, mas não deve sucumbir à ilusão de que isso pode lhe tornar livre, indestrutível ou até mesmo sadio. O que, por um lado, liberta, por outro, escraviza.
Você consegue imaginar uma vida que não seja baseada nos consolos da ação, no sentido de realização, na esperança do reconhecimento e na experiência da contribuição? Trabalhar é necessário para reduzir a insignificância da existência humana. Por meio do trabalho é possível esquecer um pouco as crueldades do mundo, as falcatruas políticas e o fato de que não fazemos muita diferença para a humanidade, exceto para aqueles que estão muito próximos de nós e conhecem um pouco da nossa realidade.
Nos últimos duzentos anos, com o advento da Revolução Industrial, o uso generalizado de máquinas e tecnologia não foi capaz de proporcionar a era de felicidade e prosperidade prometida pela geração que assistiu à substituição do trabalho no campo e da diligência puxada a cavalos pela estrada de ferro. Todos os remédios sugeridos foram ineficazes.
De acordo com o inglês Jeremy Bentham, reformador político do século XIX, “Para ficar em paz, é preciso dar paz aos outros. Para dar paz aos outros, é preciso parecer amá-los. Para parecer amá-los, é preciso amá-los de fato.” Por enquanto, isso soa uma verdadeira utopia, pois será possível somente quando governos, empresas e empresários assumirem definitivamente a responsabilidade pelas condições de vida de seus de seus semelhantes menos afortunados e, acima de tudo, procurarem ajudá-los, com interesses maiores do que o enriquecimento exclusivamente pessoal.
O sentido do trabalho está na contribuição – sem alimentar a ilusão de que somos insubstituíveis; na busca da paz – sem esperar por um mundo totalmente sem guerra; no aproveitamento máximo da liberdade – sem imaginar que ela nunca poderá nos ser tomada; na realização – sem a vaga esperança de um dia sermos reconhecidos pelo que fizemos; na tentativa, no erro e na mudança, muito mais do que na realização. Pense nisso e seja feliz!
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