Despedida
|Imagine o seguinte diálogo entre dois colaboradores – uma cena comum – antes do almoço, no corredor de uma empresa qualquer:
– O Pena foi despedido.
– Não brinca? O Pena? Que pena!
– Também, o cara pediu e abusou. Gostava de humilhar os outros pelo corredor e agora chegou a vez dele.
– Isso é fato, cara babaca, um dia a casa cai.
– Dizem que já tem outro para o lugar dele. Sabe como é, tem sempre alguém na boca de espera. Afilhado é o que não falta por aqui.
– Quem será o traste?
– Sei não, mas não vai ser nenhum de nós. Disseram que não estamos preparados.
– Quem disse?
– Os ’home’ lá de cima.
– Cambada de safados! O Pena era meio chucro, mas pelo menos a gente tava acostumado com ele.
– Sabe que eu fiquei até com pena dele, mas bem que mereceu. Aquele bicho não vale o que come.
– Coitado, fala assim não. Tinha três filhos na escola, vivia todo enrolado com a segunda esposa, devia muito no cartão de crédito e ainda e teve o limite cortado no banco.
– É uma pena, e agora? Bom, o carro ele vende. O duro é arranjar outro emprego. É complicado, mas nesse caso, a rescisão ajuda.
– Pois é! Ele já passou da idade. Depois dos quarenta é difícil, você sabe, todo mundo te olha atravessado. Não há língua nem padrinho que dê jeito.
– Nem fale. Tenho um monte de amigos na pior, com inglês, espanhol, mandarim e tudo, mas já passaram dos quarenta.
– O mar não tá pra peixe. A crise pegou geral.
– Coitado do Pena!
– Bom, como dizia minha mãe, quem tem pena se despena.
– É mesmo, cada um faz o seu caminho. Quem planta, colhe.
– Deus me livre! Não desejo isso pra ninguém, mas ele procurou. Quem procura acha, diz o ditado.
– Dessa vez pegaram pesado, acharam o cara. Ele vivia na marca do pênalti e não foi por falta de aviso, lembra?
– Lembro. Lembra o dia em que o chefe flagrou o Pena tentando passar a conversa na copeira?
– Ah, se lembro! Deu um rebuliço danado, foi o maior barraco na copa.
– Não sei como ele escapou daquela. Correu o prédio inteiro.
– Acho que ele até foi longe demais e abusou da sorte.
– Isso é verdade! Se fosse comigo tinha levado um pé na bunda há muito tempo. Onde se viu dar em cima da copeira?
– Se bem que ela não é de se jogar fora, uma tremenda gostosa.
– Nem me fale!
– Colega de trabalho pra mim é homem. Tô fora. Onde é que eu vou arranjar outra mamata como essa?
– Nem brinca! Azar do Pena.
– Tomara que o substituto não seja outro “mala”. Já tem muito “mala” por aqui e é duro carregar os outros.
– Duvido muito. Esse tipo de praga nunca se acaba.
– O que será que houve dessa vez?
– Sei não, mas daria tudo pra saber. Vai ver que afrontou o chefe.
– Que nada! Ele era ruim de serviço, juntaram o útil ao agradável, um dia a clava desce na cabeça do sujeito…
– Que clava?
– A clava do destino, aquela que não é feita de algodão, como dizia o Napoleon Hill.
– Demorou, mas chegou o dia dele. A única coisa que podemos fazer é rezar pra ele ser feliz em outro lugar.
– É verdade! Todo mundo merece uma nova chance.
– Bom, no caso dele, que seja bem longe daqui.
– Quieto, lá vem o Pena.
– Oi, pessoal, vim me despedir.
– Despedir? Como assim? Vai pra onde? Arranjou outro emprego?
– Fiz um acordo, tava de saco cheio. Vou abrir um negócio, trabalhar por conta própria. Há muito tempo que eu sonho com isso…
– Que pena! Vai deixar a gente depois de tanto tempo?
– Fazer o quê? É a vida.
– Boa sorte, cara! Vê se não esquece os amigos.
– Isso mesmo, conte com a gente para o que der e vier.
– Valeu! Qualquer dia desses a gente se encontra por aí.
– Já vai tarde – sussurra um dos colegas quando o elevador se fecha.
O mundo está cheio de “amigos” que batem nas suas costas, sorriem e no dia seguinte comemoram a sua tristeza, portanto, seja diferente. Não tripudie nem torça pela desgraça alheia. O mundo é dinâmico e num futuro muito próximo você encontrará as mesmas pessoas nas mesmas empresas e, por vezes, em cargos mais importantes do que o seu.
Em menos de duas semanas encontrei duas personagens que, de alguma forma, foram prejudiciais à minha carreira e vida pessoal. Como a dissimulação não tem limites, ambos foram educados, como se nada tivesse acontecido, e ainda me entregaram até o cartão de visitas. A reciprocidade foi mútua.
Na prática, eles me ajudaram muito. No âmbito profissional, posso dizer que cresci bem mais do que se tivesse permanecido na empresa onde eu e um deles trabalhamos. Lembrei do Jack Welch com seu famoso insight: “até um pé na bunda te empurra para frente”.
No âmbito pessoal, o outro me fez entender que a energia desperdiçada numa causa sem fundamento não agrega valor algum nem vale a pena. Quanto desperdício de energia vital por nada. Vaidades, nada mais do que simples vaidades que a terra um dia haverá de comer.
Nessa hora, lembrei-me de La Bruyère, pensador e moralista francês: “A demasiada atenção que se dedica a observar os defeitos alheios faz com que se morra sem ter tido tempo para conhecer os próprios.”
A despeito de tudo o que possa lhe acontecer no trabalho, se você não for íntegro e justo com os colegas, em menos de uma semana após a saída ninguém lembrará que você existe. Se lembrar, vai tecer um simples comentário: o que será que aquele infeliz está fazendo da vida?
Pense nisso e seja feliz!